Os representantes do povo e os comentadores desportivos

Completaram-se por estes dias, 44 anos desde o 25 de abril de 1974.

Atendendo à distribuição da população portuguesa, por faixas etárias podemos afirmar que mais de metade dos portugueses, nos quais me incluo, não tem qualquer memória do pré 25 de abril. Estamos portanto numa democracia madura, consolidada.

Os portugueses elegem como seus representantes, aqueles que entendem melhor interpretar os seus anseios, aqueles que julgam capazes de tomar as melhores decisões para as suas freguesias, para os seus concelhos, para o país e, desde 1987, para a União Europeia.

Na realidade, ao escolhermos esses nossos representantes, através do voto, estamos a passar-lhes um mandato para atuarem em nosso nome, com a legitimidade e a autoridade necessárias para o efeito.

Seria pois espectável que esses eleitos exercessem o poder político, através do mandato conferido, no interesse das suas gentes, respeitando a lógica das proporções. No entanto, a prática demonstra-nos que aqueles que conseguem juntar um grupo com a maioria dos eleitos, oriundos de um ou mais partidos políticos, exercem o poder em total desprezo pela opinião da minoria (oposição). Verificamos até que, mais que desprezar, combatem de forma aguerrida todos os contributos não oriundos dos seus grupos, por maior que seja a pertinência de os mesmos que se revistam.

Idêntica atitude podemos observar do lado das oposições, que atacam e votam contra todas as propostas oriundas daqueles que estão no poder. Por mais valida que uma proposta possa ser, a única lógica que preside a este sistema é “se a proposta for nossa é sempre boa, se for deles nunca serve”.

Ora esta forma de estar e de fazer política, aparentemente encarada como normal, faz com que os atores recusem propostas muito meritórias e benéficas para as populações. E a coisa complica-se na hora de justificar a recusa dessas propostas, à luz do que seriam os interesses dos eleitores. Por vezes, os porta-vozes dos partidos tem assim uma missão extremamente ingrata, uma vez que a única explicação intelectualmente honesta seria “Não podemos votar favoravelmente porque foram eles que propuseram”. Mas isto não pode ser dito. Todos, eleitores e eleitos, sabemos que é assim que funciona, mas não pode ser verbalizado publicamente. Devemos fingir acreditar que é o interesse público que norteia a tomada de decisões dos responsáveis políticos.

A verdade é que, neste cenário, real, importa questionar quais os interesses que os eleitos efetivamente defendem de forma afincada? Os interesses dos seus eleitores ou os do partido/grupo político a que pertencem? Quando estes interesses colidem, ou seja, quando a aprovação ou reprovação de uma medida for benéfica para as populações, mas impopular para o seu partido/grupo, qual será o sentido de voto dos eleitos? As respostas são tão claras para mim como o serão para todos os leitores.

Estou certo que, assim como eu, os leitores já assistiram aqueles programas em que comentadores desportivos, afetos aos três maiores clubes portugueses, analisam os resultados e os casos dos jogos de futebol da última jornada. Aqui, cada um vê com clareza a existência de faltas ou irregularidades, sempre que a sua marcação favoreça o seu clube e afirmam, com toda a convicção, que não há qualquer falta, se a mesma for contra a sua equipa. E degladiam-se para tentar convencer os ouvintes da coerência e justiça das suas análises.

Estes comentadores, que defendem de forma irracional os seus clubes, com efeito, não estão lá para tomar decisões ponderadas e sérias, em prol do mundo do futebol. Estão lá para fazer essa defesa, intransigente e cega, dos seus clubes.

O mesmo não podemos dizer dos políticos eleitos. Não é aceitável que, a partir do momento que assumem os cargos para os quais foram eleitos, embarquem na clubite e abandonem os interesses das populações, dos seus eleitores. Nem é saudável que esses eleitores deixem de condenar essa forma de atuar, que a encarem como uma inevitabilidade.

Talvez seja utópico pensar que, após as eleições, deveríamos unir esforços, assumir o objetivo comum da busca da melhoria nas condições de vida dos eleitores, percebendo que cada um dos eleitos dos outros grupos ou partidos, não é apenas um adversário político, mas sim um representante de um grupo de cidadãos.

Talvez seja utópico. Talvez a democracia não seja suficientemente madura ou talvez a lógica da conquista e manutenção do poder, dos partidos políticos, não tenha interesse em fomentar, ou até permitir essa maturidade.

Ou talvez a verdadeira maturidade de uma democracia exija um povo mais exigente.

Jorge Ribeiro