OPINIÃO || NORTADA: URBACT- mudanças de direção para cidades melhores | O caso de Melgaço

O quadro comunitário 2014-2020, também conhecido, no que a Portugal diz respeito, como Portugal 2020, à semelhança dos seus antecessores, privilegia a troca de experiências, numa espécie de aprendizagem coletiva.

Nessa linha, criou um programa europeu de cooperação territorial, denominado URBACT, dedicado à promoção do desenvolvimento urbano sustentável e integrado, que financia a criação de redes de cidades, para o desenvolvimento de soluções comuns, capazes de fazer frente às constantes mudanças sociais e territoriais.

Pretende-se que estas redes sejam capazes de desenvolver soluções inovadoras, que atendam às questões económicas, sociais e ambientais, promovendo a partilha de boas práticas através dos países da União Europeia.

Uma das características deste programa é o facto das redes se criarem à volta de uma cidade, cuja atuação num determinado âmbito, tenha conduzido a resultados reconhecidamente positivos e, por isso, as práticas aí adotadas, sejam merecedores de partilha ou transferência para outras cidades. Desta forma, se forem criados grupos homogéneos, com características semelhantes, será expectável que essas práticas, quando replicadas noutras cidades, acarretem resultados igualmente positivos.

Um dos grupos ou redes criadas, dá pelo nome de “Re-grow City”, tem como objetivo principal o combate ao declínio que algumas cidades pequenas têm observado ao longo dos últimos tempos e foi criado à volta da cidade de Altena, situada no estado da Renânia do Norte – Vestfália, na Alemanha.

Esta cidade cresceu e alicerçou o seu desenvolvimento à volta da indústria do aço. No entanto, durante a década de setenta do século passado, essa indústria sofreu alguma deslocalização e alterações profundas nos sistemas de produção, que acarretaram uma queda abrupta do emprego. Consequentemente, os mais novos tiveram necessidade de partir e, ao longo das décadas que se seguiram, Altena viu a sua população diminuir e envelhecer a níveis preocupantes. A cidade foi perdendo vida, com os comércios a fecharem e os imóveis desabitados e abandonados.

No entanto, desde inícios deste século, os responsáveis políticos de Altena, tomaram uma série de medidas, envolvendo a população, que inverteram esta tendência, voltando a trazer vida para a cidade e a fazer renascer o comércio e as atividades económicas.

Este fenómeno de envelhecimento da população e despovoamento do território é de facto um problema que assola muito do território europeu, principalmente nas zonas mais afastado das grandes cidades.

Também em Portugal este fenómeno se faz sentir intensamente, atingindo todo o interior do país. E nessa situação está Melgaço que, juntamente com outras sete cidades europeias, integram esta rede liderada por Altena.

Com efeito este que é o concelho mais setentrional de Portugal, tem vindo a perder população a um ritmo alarmante e a ver os seus índices de envelhecimento dispararem para valores próximos do dobro da média nacional. Em apenas duas décadas, entre 1991 e 2011, a população de Melgaço diminuiu de 11.018 para 9.187 habitantes, perdendo por isso cerca de 17% da sua população (Censos 1991-2011).

Por outro lado, não menos preocupante é a baixa natalidade e o abandono do território por parte dos mais novos. Essa acentuada tendência faz com que Melgaço apresente hoje um índice de envelhecimento próximo dos 37%, quando a média nacional se situa nos 20,5% (PorData). Quer isto dizer que atualmente, em Melgaço, um em cada três habitantes tem mais de 65 anos de idade.

Foi esta problemática que fez com que Melgaço fosse aceite como cidade (vila) integrante da rede Urbact “Re-grow City”, partilhando com os restantes parceiros a necessidade de revitalizar a cidade, do ponto de vista urbanístico, e também de criar dinâmicas sociais positivas.

E, tanto em Melgaço como em Altena, os responsáveis políticos olham para o setor turístico como aquele que poderá apresentar maior potencial de alavancagem dos seus territórios, quer para a criação de dinâmicas e de revitalização das suas cidades.

Este modelo de partilha e transferência de boas práticas, uma vez criados grupos homogéneos, mas nunca descurando as diferenças culturais, económicas e sociais, poderão trazer resultados positivos e criar atalhos para as cidades envolvidas. Penso que o grande desafio se põe na capacidade de trazer pragmatismo para os processos, na capacidade de sair do papel para o terreno.

Onde houver esta capacidade, talvez possamos ver o desejado “Re-grow City”.

 

O caso de Melgaço

Altena, líder e exemplo a seguir neste processo de partilha de boas práticas, mudou de dirigentes políticos em 1999, quando o democrata cristão Andreas Hollstein se tornou Mayor. Desde então têm sido adotadas uma série de medidas, com resultados considerados positivos e, por isso, merecedores de serem replicados nas cidades que fazem parte deste projeto: Melgaço (Portugal), Aluksne (Letónia), Idrija (Eslovénia), Igoumenitsa (Grécia), Isernia (Itália), Manresa (Espanha), Nyírbátor (Hungria).

Como já referido na primeira parte deste artigo, o declínio da cidade de Altena, que conta atualmente com cerca de 19.000 habitantes, está muito ligada a mudanças nos sistemas de produção da indústria do aço, da qual a sua economia estava muito dependente.

Segundo os atuais líderes daquela cidade alemã, a situação foi-se agravando com as respostas adotadas pelos políticos de então. Para tentar contrariar os efeitos desta perda de postos de trabalho e de atratividade da cidade, os governantes da cidade optaram por fazer investimentos pesados em infraestruturas e equipamentos públicos, como bibliotecas, escolas e piscinas.

Apesar de aquele ser um período de forte capacidade financeira, os gestores municipais acabaram por gastar mais do que podiam e deviam. Havia a ideia de que quem viesse a seguir traria sempre mais dinheiro. Altena acabou por ficar numa situação de grande endividamento.

Andreas Hollstein, Mayor de Altena

Na opinião do atual Mayor de Altena, não houve a capacidade de efetuar nenhuma reflexão sobre a mudança que se impunha na forma de gerir.

Com o tempo, devido ao grande endividamento criado naqueles períodos, Altena deixou de ter dinheiro para investir e as infraestruturas começaram a ficar ultrapassadas. Em consequência, a imagem de Altena decaiu e as cidades vizinhas aproveitaram a oportunidade para atrair os jovens, o que acarretou um envelhecimento cada vez maior da população residente.

A principal prioridade do novo executivo consistiu no equilíbrio das contas do município. Numa primeira fase, o próprio Mayor começou por enviar um sinal à população, dispensando o Mercedes e o motorista, passando a deslocar-se num VW Polo, que ele próprio conduzia.

Seguidamente, o Conselho Municipal aprovou uma série de medidas impopulares que passavam pelo encerramento de uma das duas piscinas públicas, redução de um terço do número de funcionários municipais, encerramento de duas escolas primárias, redução do número de vereadores, corte nos subsídios aos clubes desportivos e grupos de idosos.

Durante estes períodos, foi promovido e incentivado o diálogo com a população, na busca das melhores soluções.

Tendo surgido a vontade de arranjar a rua principal e não havendo orçamento municipal para o efeito, a população, políticos incluídos, uniu-se e voluntariou-se para arranjar a rua, com o seu trabalho. Foi possível perceber que as pessoas eram capazes de se unir à volta de um projeto comum.

Deste trabalho de envolvimento da população, foi desenvolvido um projeto de apoio à terceira idade. Ao fim de dois anos a trabalhar com toda a população, desde os mais idosos até aos mais novos, tentando perceber o que poderia ser mudado na cidade, no sentido de criar melhores condições para as gerações mais velhas, percebeu-se que as pessoas gostavam e eram capazes de trabalhar juntas.

A Câmara Municipal passou a ter um papel de apoio à população, assumindo esta, através dos voluntários, a iniciativa das ações.

No final de um processo de dois anos, nasceu uma associação de voluntários, chamada “Stellwerk” (fábrica de aço), onde as pessoas coordenam e criam ideias em regime de voluntariado. Esta associação, que conta com o apoio de 500 a 1000 voluntários, assume hoje um papel cimeiro na vida da cidade.

Por outro lado, a cidade tinha muitas lojas vazias, devido à falta de clientes, à evolução do comércio eletrónico, assim como à idade avançada dos proprietários dessas lojas. Havia vontade e necessidade de gerar uma nova vida para a cidade e surgiu a ideia de trazer novas pessoas para aqueles espaços, dando-lhes a oportunidade de experimentarem, durante 8 semanas, abrir uma loja, com o apoio financeiro do município. No final desse período podiam decidir fechar ou manter o negócio. Fruto desta ideia, além das lojas que vão abrindo e fechando, pelo menos 5 ou 6 lojas mantém-se abertas, no centro da cidade, até aos dias de hoje.

‘pop up’ store

Estamos perante o conceito, hoje já mais difundido, de “pup-up shop”. Em português, o verbo ‘to pop up’ significa aparecer súbita e inesperadamente. É assim que funcionam estas lojas, tendencialmente temporárias, que abrem as portas em lugares estratégicos e a maioria desaparecem pouco tempo depois. O principal objetivo é despertar a curiosidade no público. Por outro lado, podem funcionar também como uma forma de os lojistas ou investidores testarem a recetividade das suas ideias, produtos, serviços.

Estamos assim na presença de dois vetores claros e distintos de intervenção. Um deles focado no envolvimento da sociedade, com a criação de associações ou ONG capazes de atuar nos territórios e influenciar os seus destinos, e outra que se prende com a revitalização urbana, através da criação de dinâmicas nos centros urbanos.

Uma das características deste programa, é que as cidades e vilas envolvidas tem que escolher qual a vertente onde querem atuar, no caso em concreto, promover o associativismo e o envolvimento da população, ou avançar como medidas de incentivo às “pop-up shops”.

No caso de Melgaço, a opção recaiu nas “pop-up shops”. Cabe agora aos envolvidos no projeto irem para o terreno, ouvirem os proprietários das dezenas de lojas fechadas e perceberem a sua recetividade para a ideia, ouvirem os potenciais lojistas, conhecerem as suas ideias e necessidades.

Se devidamente ouvidas todas as partes interessadas, se tivermos em linha de conta as expectativas de cada um e criadas as condições necessárias, poderemos vir a assistir a um impacte bastante positivo na vida do centro urbano de Melgaço.

Jorge Ribeiro