NOVOS POVOADORES: Testemunhos de quem veio, viu e quer vencer
João Martinho
Ainda que o concelho nos permita um sentimento de familiaridade, a rubrica Novos Povoadores pretende trazer mais conhecimento sobre aqueles com quem nos cruzamos na rua, no comércio ou empresas locais. Não há grandes balizas para que qualquer dos trabalhadores no concelho de Melgaço possam figurar nesta galeria de histórias do jornal “A Voz de Melgaço”. Apenas que tenham até 35 (máximo 40) anos de idade, vivam e/ou trabalhem em território melgacense e tenham o sonho e vontade de ficar por cá. A quem vem de fora do concelho ou do país – o caso de Carolina Osório, da Colômbia, é um óptimo primeiro exemplo de sucesso na chegada e integração – pedimos que nos conte um pouco de como aconteceu essa primeira ‘paixão’ pelo território que nos dá berço.
Carolina Osório | Colômbia | Turismo

Carolina Osório Enoturismo Quinta de Soalheiro
Carolina Osório, de 32 anos, natural da Colômbia, está em Portugal há seis anos e há três anos a trabalhar em Melgaço. Tudo começou numas férias que tinham Madrid como ponto de visita. Daí, estendeu a vista pelo mapa e veio visitar a Galiza. Passou a fronteira e enamorou-se pelo território das margens do Rio Minho. A relação, com a bênção das águas do rio e a oração do poema de João Verde, cresceu e tornou Carolina uma das mais entusiastas embaixadoras do território melgacense.
“Esta parte do Norte de Portugal e do Sul da Galiza fez-me sentir em casa. Essas férias transformaram-se na ideia de vir para Portugal. Voltei, por seis meses, para conhecer mais e acabei por ficar todo este tempo”, recorda.
Hoje, Carolina integra a equipa de Enoturismo da Quinta de Soalheiro, depois de estudar em Ponte de Lima e aprender a língua portuguesa, que zela por procurar melhorar. Só não perde o sotaque espanhol, que dá um toque multicultural à sua comunicação. E muito do que sabe é tirado a ferros, “dificultado” pela simpatia dos portugueses.
“Há uma piada que diz que o pior país para aprender português é Portugal”, diz-nos, deixando-nos em suspenso, e quando já estamos a tentar alcançar alguma coisa para lhe mandar aos pés (metaforicamente) pela ofensa, Carolina completa com uma defesa eficaz:
“Porque os portugueses são tão simpáticos que percebem que não sou portuguesa, então tentam falar comigo em espanhol. Quando cheguei cá, fiquei em casa meia hora a ensaiar o que devia dizer na padaria, para comprar o pão. Chegava, pedia o pão em português e respondiam-me em espanhol. E eu ficava desiludida, porque eu queria que falassem comigo em português. Os portugueses têm esta capacidade incrível de saber receber, dispostos sempre a perceber o que o outro está a dizer. Estamos na zona de fronteira, muita gente percebe espanhol, então quando dizia palavras erradas mas ninguém me corrigia, só o Luís [Cerdeira, do Soalheiro] me dizia que não era assim. No inicio, o tema da língua foi uma dificuldade foi por causa da simpatia”, explica.
Actualmente, consegue explicar o território aos visitantes da quinta em português, espanhol, inglês, italiano. A restante equipa consegue completar o leque de linguagens com o francês, se necessário, mas é a visão “externa” de Carolina que consegue cativar interesse para as pequenas coisas da vida minhota.
“Quando cheguei, havia muita coisa que, para quem cá estava, era rotina. A broa, por exemplo. Harmonizávamos sempre com o fumeiro, o queijo, e punham a broa, mas ninguém falava dela. Para mim, a broa era uma coisa fantástica em tudo, desde o processo que essas senhoras, infelizmente cada vez menos, ainda fazem. Na Europa, não encontrei outra coisa similar à broa. Quando somos muito de um sítio, não conseguimos ver estas coisas. Por exemplo, se alguém daqui for à Colômbia, vai ver muito mais coisas do que eu, porque para mim são normais. Não que eu seja melhor ou pior, mas acho que na área do turismo, é uma mais-valia uma visão externa”, elabora, com entusiasmo.
Veio do contexto do cultivo do café, sobre o qual nos pode contar muitas coisas, mas admite que quando viu uma vinha pela primeira vez, já adulta, “foi uma coisa incrível. Uau, é daqui que se faz o vinho”, recorda.
Na sua área, procura trabalhar a memória sensorial e afectiva dos visitantes, para que no momento da escolha haja mais bagagem do que os critérios mais óbvios para a selecção, como o preço.
Melgaço foi assim tão óbvio para a escolha?
“Estamos num meio rural e percebo que muita gente da minha geração me pergunte, “mas o que fazes em Melgaço?”, eu sou da Colômbia, diziam-me para eu ir para o Porto ou Lisboa… Mas em Melgaço, através do Soalheiro, conheço o mundo, não só porque saímos, mas também porque o mundo vem cá”, esclarece, desmistificando a ideia de interior como espaços fechados em si próprios.
“Temos medo das zonas rurais porque achamos que vamos estar fechados, mas se calhar esse sítio rural é a melhor porta para o mundo todo e muita gente nas cidades é que está realmente fechada, no seu espaço. Este território pode ser a porta maior para conhecer o mundo e eu consigo ver esse equilíbrio”, realça.
Sobre perspectivas de futuro a dez anos, confessa-nos que o ambiente de trabalho ajuda, quando afirma que se vê a ‘vestir a camisola’ do território, esperando que a familiaridade da empresa se mantenha.
“Não nos sentimos a trabalhar para o projecto de alguém, é o nosso projecto, e isso faz com quem queiramos fazer mais em melhor. Espero que consigamos manter o espírito de família, daqui a dez anos, que continuemos com o espirito da Dona Palmira. Temos uma estrutura profissionalizada em enoturismo, mas o foco é que quem venha ao Soalheiro sinta que veio a casa de alguém. E que no futuro, quem nos visita sinta que veio a casa de uma família”.
Patrícia Castro | Guimarães | Hotelaria

Patrícia Castro Monte Prado Hotel & Spa
Patrícia Castro, de 29 anos de idade, natural de Guimarães, chegou a Melgaço há cinco anos, a propósito de uma proposta de trabalho nas Termas de Melgaço. Actualmente é recepcionista no Monte Prado Hotel & Spa e mantém o ânimo suplementar de poder trabalhar num local onde “não existe o stress habitual de trânsito”, o que lhe dá “tranquilidade”.
Contudo, Melgaço não podia ser ‘a bela’ sem um ‘senão’ na equação e para Patrícia, o reparo é sobretudo no preço de algumas das condições base para quem queira instalar-se no concelho, desde as rendas aos serviços de saúde, passando pelo custo dos produtos alimentares.
“São excessivos, quando o salário oferecido por quase todas as empresas é o mínimo. O valor dos produtos alimentares é igualmente elevado, o acesso a serviços de saúde em Melgaço é escasso e o que existe não é de qualidade”, observa, considerando que, para que quem chega possa ter autonomia financeira “é necessário receber mais do que o salário mínimo”.
Quando chegou – embora Guimarães possa estar a pouco mais de 1h30 de Melgaço (de carro) – Patrícia sentiu que havia “falta de comércio e pouca oferta de restauração”, mas tem inclusive uma lista de sugestões que poderiam tornar o concelho um pouco mais cosmopolita e, quiçá, prender mais por cá a camada populacional em que se insere.
Sugere por isso “um pouco mais de oferta, tanto a nível de lojas de roupa, calçado, acessórios, artigos de casa e decoração e electrodomésticos; bem como de supermercados com mais variedade de produtos, seria uma mais-valia. Na restauração, mais bares, mais restaurantes onde fosse possível experimentar novos sabores, sem ser apenas o tradicional”.
O seu atento e pertinente olhar para a oferta comercial local, que lhe motiva os reparos, não a desmotivam na perspectiva de “viver e trabalhar por aqui muito tempo”.
“Apesar de alguns contras, por falta de serviços saúde, a paz e segurança da vila são bons factores para me manter por cá”, frisa.
Rafaela Miguel | Almada | Restauração
Rafaela Miguel, natural de Almada, tem 20 anos de idade e chegou a Melgaço há 3. Trabalha em restauração, no restaurante Mini Zip, e considera que o concelho, apesar de menor dimensão do que o que lhe dá origem, permite “muitas oportunidades de trabalho e é um sítio sossegado”.
“Actualmente tenho a certeza de que ter escolhido Melgaço foi uma boa aposta. Se tivermos um bom trabalho e boas condições, pode ter-se qualidade de vida. Melgaço tem muito a oferecer, temos é que saber aproveitar”.
Quanto ao equilíbrio entre o rendimento – tendo o salário mínimo como ponto de partida – e as despesas que quem chega tem de enfrentar, alinha pelo anterior testemunho. Faz-nos ainda uma estimativa mínima dos custos para que se entenda que alguém, neste rol de facturas – ou recibos – tenha de fazer ajustes para que não se ‘obrigue’ esta geração a casar ou a perpetuar-se na casa dos pais para sobreviver.
“Não existe equilíbrio entre o ganho salarial mínimo e uma renda no centro da vila de Melgaço. Se recebermos 705 euros por mês, pagarmos uma renda de 260 euros, 40 euros de água e luz, gastarmos um mínimo de 150 euros em compras e 100 euros em gás, ao fim do mês sobram pouco mais de 100 euros para viver. Feitas estas contas, o problema não é quem paga o salário, mas quem faz uma estimativa do preço das rendas”.
Admite ter sido necessário “um tempo de adaptação, não só à vila, mas também aos melgacenses”, mas rapidamente encontrou a sua equipa e o seu meio.
Contudo, para quem chega de um dos concelhos mais populosos do país – Almada tem mais de 177 mil habitantes, segundo Censos 2021 – a habituação aos constrangimentos do território minhoto fez-se sentir.
“É verdade que viver em Melgaço, em comparação com um grande centro, é completamente diferente. Para podermos ter acesso a um Centro Comercial temos de sair de Melgaço e só há um supermercado de maior dimensão. Nesse aspecto tenho saudades de ter tudo à disposição, grandes supermercados ou qualquer loja”, analisa Rafaela.
Sobre o futuro, apenas a vontade inabalável de descobrir as oportunidades de Melgaço fazem esta nova povoadora querer continuar por cá.
“Estou muito feliz em estar cá a viver e em estar a trabalhar no Mini Zip. A restauração nem sempre é fácil, mas quando se trabalha com uma boa equipa e com pessoas cinco estrelas nem sequer temos tendência a nos questionarmos sobre o que vamos fazer depois. Tinha muitos projetos antes de vir trabalhar para o Mini Zip e consegui concretizar, ao vir trabalhar para cá. A nível pessoal, ao longo prazo tenciono ficar por Melgaço, a nível profissional, tenciono ir para onde o Mini Zip me levar”, perspectiva Rafaela.
sugestões, propostas para a rubrica Novos Povoadores: redacao@vozdemelgaco.pt
Texto publicado na edição impressa de Abril do jornal “A Voz de Melgaço”
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